Lentidão da justiça dificulta o encontro por um lar
Por Aline Parenti
Os principais problemas para se adotar uma criança continuam sendo a burocracia e a falta de estrutura nas varas da infância e da adolescência para atender à demanda das famílias interessadas. Mesmo após um ano do Projeto de Lei nº 6222/05 ter sido aprovado, as famílias ainda encontram dificuldades para seguir com os processos de adoção na justiça.
O texto do projeto foi elaborado pelo Grupo de Trabalho de Convivência - formado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude (ABMP), Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Ministério da Justiça e Ministério da Saúde.
A Lei, aprovada no dia 3 de agosto de 2009, prevê, entre outros itens, a criação de um cadastro nacional de potenciais adotados e adotantes que o Ministério Público deve alimentar e fiscalizar, assim como os critérios para convocação de interessados, a prioridade para adoção em território nacional e a fixação de prazos para decreto de perda do pátrio poder, de modo a agilizar a inclusão das crianças no cadastro. Determina também que o menor não poderá permanecer mais de dois anos em abrigos. Porém, não é isso que tem acontecido ultimamente.
A professora de português Lucia Regina está na fila para adotar uma criança há um ano e meio. Lucia não pode ter filhos e há muito tempo planeja adotar um recém-nascido. “Eu sempre quis ser mãe e quando me casei coloquei meu nome na fila para adoção. A assistente social já visitou a minha casa, fez toda a triagem e conversou comigo e com o meu marido, mas ainda não fui chamada”, conta.
O vice-presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) para Assuntos da Infância e da Juventude, Francisco de Oliveira Neto, diz acreditar que a Lei da Adoção promoveu mudanças necessárias por ter criado, em primeiro lugar, o prazo máximo de dois anos de permanência de crianças e adolescentes em abrigos. “Segundo, porque obrigou os juízes a justificar, a cada seis meses, a permanência dos menores nessas instituições”, afirma Oliveira.
Na opinião do deputado João Matos (PMDB-SC), autor do projeto, a fila enfrentada pelas famílias que querem adotar ainda é muito longa por causa da burocracia. “Se a destituição do poder familiar fosse mais rápida, haveriam mais crianças disponíveis para a adoção”, garante.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem cerca de 30 mil pretendentes à adoção no Brasil e 4,7 mil crianças e adolescentes cadastrados e aptos a serem adotados. Outro dado levantado pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) mostra que 80 mil crianças vivem em abrigos e que apenas 10% delas podem ser adotadas, por causa da lentidão da justiça.
Para a representante do Conselho Nacional de Psicologia, Iolete Ribeiro da Silva, falta estrutura no Poder Judiciário para que a lei seja cumprida. “A estrutura é precária e inoperante. Faltam profissionais (assistentes sociais e psicólogos, especialmente) para analisar os processos, fazer a triagem das famílias e realizar todos os procedimentos necessários à adoção” afirma a psicóloga.
Iolete também afirma que não concorda com a omissão da lei com relação à possibilidade de casais homossexuais adotarem uma criança. Segundo a psicóloga, a lei descreve apenas que “para a adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham uma união estável, comprovada a estabilidade da família”. Para a representante, essa omissão joga a responsabilidade da decisão no juiz responsável pelo processo na Vara de Infância e Juventude.
A pedagoga Santina Parenti trabalha a três anos em um orfanato localizado no bairro do Patriarca, zona leste de São Paulo. Segundo Santina, muitas famílias visitam o local e demonstram interesse em adotar um jovem, porém desistem quando tomam conhecimento de todo o processo judicial que isso envolve e o quanto é demorado. “Muitas vezes, as famílias se apaixonam e querem que aquela criança faça parte da sua família, mas o processo de adoção é tão lento e impõe tantas regras que várias desistem no meio do caminho”.
A pedagoga ressalta outro ponto importante: “A preferência das famílias é por crianças recém-nascidas ou menores de três anos e a maioria dos meninos não se enquadra nesse perfil”.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cerca de 80% das famílias interessadas na adoção procuram filhos adotivos de até três anos, porém apenas 7% das crianças cadastradas estão nessa faixa etária.
“A lei não vai mudar isso. Essa preferência tem razões culturais e é necessário um processo educativo para mudar isso”, diz a pedagoga, apontando a necessidade de políticas sociais para estimular a adoção de crianças mais velhas e adolescentes.
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